quinta-feira, 14 de abril de 2011

MEIO ANO SEM GOVERNO

"À chegada ao Rio de Janeiro, um amigo brasileiro informou-me sobre a queda do Governo português. Depois perguntou: «Como pode?».
Aos olhos de um brasileiro, é hoje estranhíssimo que a ambição pelo poder tenha mais força do que a defesa do interesse nacional. O que mudou o Brasil na última década foi a noção de que o país é mais importante do que as divergências partidárias.
Lula da Silva teve a inteligência de pegar em reformas iniciadas por Fernando Henrique Cardoso e continuá-las, sem temer a contestação ideológica - que aliás foi ténue, esbatendo-se com o tempo, porque o interesse do Brasil assim o exigia.
Claro que é mais fácil promover a mudança e criar aceitação para a necessidade de sacrifícios nos países menos mimados pela História, ou menos aburguesados.
Obama vê-se e deseja-se para gerar no seu povo um sentimento de solidariedade social, porque os Estados Unidos da América nasceram do individualismo intrépido de imigrantes sem nada a perder. O exacerbamento desse individualismo, imitado por todas as partes do mundo numa cultura de ambição sem limites, deu no que estamos a viver - o afundamento do capitalismo, criando terramotos económicos sucessivos.
Ainda no Brasil, uma amiga argentina que viveu nos últimos anos em Espanha dizia-me que, quando os espanhóis lhe falam de crise, ela pensa: que palavra inventariam estes se vivessem na Argentina?
Aos olhos de um sul-americano, a crise europeia é uma espécie de faz-de-conta da crise, uma brincadeira.
No avião de regresso a Lisboa, vejo uma reportagem sobre a multidão de portugueses que acorreu às lojas, em filas de horas, para comprar o novo ipad (que custa mais de 700 euros), e penso que ainda estamos a brincar à crise. Talvez por isso nos possamos dar a esse luxo incompreensível para um brasileiro: passar meio ano sem governo.
Algumas almas de contas curtas alegam que esta paragem até pode ser benéfica: um governo de gestão não gasta.
A ideia de que parar é poupar, ou seja, de que a inércia é uma forma de resolução dos problemas, é muito portuguesa - e falsa. Os problemas não desaparecem porque metemos a cabeça na areia, antes se agravam. Um governo parado continua a gastar - com a agravante de que não produz. Nem pode dar garantias - as tais garantias que a Presidente do Brasil exige, e bem, para ajudar Portugal.
A diminuição do défice é um imperativo urgente - e para isso é preciso tomar medidas. Se o PSD tinha alternativas ao plano apresentado pelo PS, era seu dever patriótico apresentá-las. Destruir sem apresentar soluções é leviandade, e grave.
A revogação do decreto que instituía a avaliação dos professores, aprovada por todos os partidos da oposição - com a excepção notável do deputado do PSD José Pacheco Pereira - é a prova clara, e escandalosa, de que em Portugal a luta pelos votos que permitem a ascensão ao poder se sobrepõe a todos os desígnios nacionais, a começar pela Educação.
No meio disto tudo, o que fez o Presidente da República? Não teria sido sua obrigação chamar o primeiro-ministro e o líder do PSD e forçá-los a entenderem-se? Sendo, ainda por cima, economista, não lhe caberia propôr soluções concretas para possibilitar esse entendimento? Por mim, estou como Angela Merkel: grata a José Sócrates, que se esforçou e apresentou serviço, em condições particularmente duras."

6 de Abril, 2011por Inês Pedrosa
Semanário SOL

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